RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

A nossa Carta Magna reconhece em seu art. 225, §3º a possibilidade de responsabilização Penal da Pessoa Jurídica em caso de crimes contra o meio ambiente, por sua vez buscando dar aplicabilidade ao aludido dispositivo constitucional, em 12 de fevereiro de 1998 surgiu a lei 9.605 que elencou as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Em oportunidade de se posicionarem nossos Tribunais, contrariando a maioria esmagadora da Doutrina admiti a responsabilidade Penal da pessoa jurídica. Questão que a nosso ver, com a máxima vênia para as posições contrárias, não poderia constituir aberração maior. Vejamos…

            A despeito das questões de ordem subjetiva, como a maior efetividade do uso do Direito Administrativo, através do seu poder de polícia, como instrumento fiscalizador e punitivo das atividades das pessoas Jurídicas, tendo em vista também a maior eficácia com a qual esse Ramo do Direito alcançaria seu fim. Não se pode olvidar princípios e questões objetivas do Direito Penal, que são intrínsecas desse, para que ele se constitua como o Próprio Direito Penal.

            Em primeiro momento é preciso rememorar os conceitos integrantes da Teoria Analítica do Crime, quais sejam a tipicidade, ilicitude e culpabilidade. A tipicidade, primeiro elemento analítico para a constituição de um crime é a necessidade de correspondência da conduta social com a descrita no Código Penal ou em outra lei Especial, ressalte-se, descrição prévia, anterior ao fato. Tome-se como exemplo o art. 121 do CP que tem como elementar do tipo a conduta “matar alguém”, logo quando um indivíduo mata alguém, sua conduta se amoldou a previsão legal podendo então se falar em fato típico.

            Vencido essa primeira análise é necessário que se verifique se a conduta do agente na situação concreta não estava abraçada por alguma excludente de ilicitude prevista no art. 23 do Código Penal. São elas a) Estado de Necessidade; b) Legítima Defesa; c) Estrito Cumprimento do Dever Legal. Ora, se Dilma empunhando uma faca investe contra Lula com intenção de mata-lo e Lula a fim de se defender atira contra Dilma vindo a mata-la, uma vez que reste claro que Lula não agiu com excesso e nem deu causa a agressão de Dilma, não há que se falar que aquele incorreu no crime de homicídio, visto que sua conduta, mesmo que típica esta amparada por uma excludente de ilicitude.

            A ultima etapa da análise da teoria analítica do crime passa pelo juízo de reprovação da conduta, ou seja, a Culpabilidade do agente. Aqui é preciso que se faça um juízo de valor sobre a possibilidade de que dispunha o agente de discernir sobre a ilicitude da sua conduta e também a capacidade de se determinar de acordo com esse discernimento. Em resumo a culpabilidade diz respeito a exigibilidade de uma conduta diversa daquela tomada pelo agente, bem como o grau dessa exigibilidade.

            Agora de posse desse breve esboço sobre o conceito analítico do crime, é possível entender de forma objetiva porque representa um retrocesso a responsabilização penal da Pessoa Jurídica. Ao analisar a teoria finalística do Tipo de Welzel temos que a vontade é pré-requisito para a constituição do dolo.

             A vontade deve estar atrelada a conduta à fim de produzir determinado resultado naturalístico para que se possa falar em dolo, visto que ele está intimamente ligado ao animus do agente quando da execução da ação. Exemplo Claro disso são os crimes preterdolosos com previsão no art.19 do Código Penal, quando o agente Bolsonaro, por exemplo, querendo lesionar seu filho Flavinho lhe dá um tiro no pé, porém Flavinho por ter chupado muita laranja e ter reduzido o seu PH sanguíneo vem a morrer, Bolsonaro não poderá responder pelo homicídio a titulo de dolo, pois este não tinha a intenção de matar, no caso em tela, o agente responderia por lesão corporal dolosa e homicídio culposo.

            Logo, a teoria finalística do tipo, que é de crucial observância, pois do contrário estaríamos diante de um Direito Penal que admite a imputação objetiva, não pode coexistir com a responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, pois se ela enquanto ente despersonalizado externa sua vontade através dos atos de alguém que necessariamente será uma, ou um grupo de pessoas físicas, não há que se falar em vontade da Pessoa jurídica, se não há vontade não há dolo. E se não há vontade não há assunção de risco para que se possa falar em culpa. Portanto, se analisado o crime como fenômeno social que para ser configurado precisa se adequar ao conceito analítico do crime a partir da teoria finalística adotada pelo Direito Penal moderno pararíamos a analise no primeiro item, pois sem dolo ou culpa não há existe tipicidade.

            Outra questão de igual relevância diz respeito a impossibilidade de se mensurar a culpabilidade da Pessoa Jurídica. A culpabilidade é feita a partir de uma análise subjetiva da conduta. Sobre isso é impossível ser mais claro e sucinto do que o Professor GRECO[1] “Problema ainda maior será verificar a culpabilidade de uma pessoa jurídica. Quando poderá ela sofrer um juízo de censura, já que a censurabilidade é própria do homem?” A pessoa Jurídica não pensa, assim não é possível que ela se determine de acordo com um pensamento que não existe.

            A despeito disso tudo, é necessário salientar que até o presente momento nossos Tribunais vêm aceitando a Responsabilização Penal da Pessoa Jurídica, não se mostra razoável aceitar qualquer outra justificativa que não seja política para tal posição. A exemplo o julgamento do REsp 564.960/SC, Recurso Especial 2003/0107368-4 publicado no DJ 13/06/2005.

            De tudo, como Advogados devemos fazer valer nosso Papel Institucional garantido pela Carta Magna e militarmos para que seja modificado esse entendimento, a nosso ver ressalte-se puramente políticos. Fato é, que a Defesa do Meio Ambiente é uma bandeira que deve ser erguida por todos nós, mas essa bandeira seria muito melhor erguida por um aperfeiçoamento do Direito Administrativo para a sua Tutela. Uma vez que a penalização de determinadas condutas movidas apenas por paixões políticas, por mais nobres que sejam, ferem diversos Princípios inafastáveis a concepção do Direito Penal.

Dr. Kaique Carlos de Oliveira. OAB/GO 58.157. Advogado e Professor, membro da Comissão de Direito Penal da OAB/GO. Pós-Graduando em Ciências Criminais.


[1] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 21ºed. Niterói: Impetus, 2018, p. 283

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